O domínio de si mesmo (1° parte)

A sugestão, ou antes a auto-sugestão, é um assunto completamente novo e ao mesmo tempo tão antigo quanto o mundo.

É um assunto novo porque, até hoje, foi mal estudado e, por conseguinte, não muito conhecido; é antigo, por datar da aparição do homem na terra. De fato, a auto-sugestão é um instrumento que nasce  connosco, e este instrumento, ou melhor esta força, é dotada de um poder inaudito, incalculável, que, conforme as circunstâncias, produz os melhores ou os piores efeitos. O conhecimento desta força é útil a cada um de nós e, particularmente, é indispensável aos médicos, aos magistrados, aos advogados e aos educadores da mocidade.



Logo que a sabemos pôr em prática, de uma maneira consciente, devemos evitar, em primeiro lugar, provocar nos outros as auto-sugestões malignas, cujas consequências podem ser desastrosas; depois provocamos, conscientemente, as auto-sugestões benignas, que levam a saúde moral aos que sofrem de nevrose, aos desencaminhados, vítimas inconscientes de auto-sugestões anteriores, e que conduzem ao bom caminho os espíritos com tendência a seguirem o mal. 

O ser consciente e o inconsciente


Para bem compreender os fenómenos da sugestão, ou, mais acertadamente, da auto-sugestão, é preciso saber que há em nós dois indivíduos completamente distintos um do outro. Ambos são inteligentes, mas enquanto um é consciente, o outro é  inconsciente. É a razão pela qual a sua existência, geralmente, passa despercebida.

Entretanto, esta existência pode ser facilmente constatada, desde  que se tenha o trabalho de examinar certos fenómenos que sobre eles se queira reflectir bem, por alguns instantes. Exemplifiquemos:

Todos sabem o que é sonambulismo e que o sonâmbulo levantando-se  à noite, sem estar acordado, sai do quarto depois de mudar ou não a roupa, desce as escadas, atravessa corredores e, após ter praticado certos actos ou terminado certo serviço, volta ao seu dormitório e deita-se novamente. No dia seguinte, demostra a maior das admirações por encontrar feito um trabalho, que, na véspera, deixara por acabar.

Entretanto, foi ele quem o fez, se bem que o não saiba. A que força obedeceu o seu corpo, senão a uma força inconsciente, ao seu ser inconsciente ?

Consideremos, agora, o caso muito frequente, de um infeliz alcoólico atacado de delirium tremens. Como que tomado de um acesso de loucura, ele se apodera de uma arma qualquer, uma faca, um martelo, um machado, e fere, fere furiosamente aqueles que têm a infelicidade de se lhe acharem perto.

Depois de passado o acesso, o indivíduo recobra os sentidos e contempla, horrorizado, a cena de sangue que a sua vista oferece, ignorando ter sido ele mesmo o seu autor. Ainda neste caso, não foi o inconsciente que conduziu esse desgraçado ?


Se compararmos o ser consciente ao ser inconsciente, constatamos que, enquanto o consciente é frequentemente dotado de uma memória muito falha, o inconsciente é, ao contrário, provido de uma memória maravilhosa, impecável, que guarda, sem o sabermos, os menores acontecimentos, os mais insignificantes factos de nossas vidas.


E, como é ele quem preside o funcionamento de todos os nossos órgãos, por intermédio do cérebro, dá-se um facto, que decerto parecerá paradoxal: se ele julgar que esse ou aquele órgão funciona bem ou mal, ou julgar que sentimos  esta ou aquela impressão, este ou aquele órgão, de fato, funciona bem ou mal, ou então, nos sentimos com esta ou aquela impressão.

O inconsciente não preside somente as funções do nosso organismo, preside também o acabamento de todas as nossas acções, quaisquer que sejam elas.

A ele é que chamamos imaginação, e é quem, ao contrário do que se admite, nos faz sempre agir, mesmo e sobretudo contra a nossa vontade, desde  que haja antagonismo entre essas duas forças.


Vontade e imaginação


Se abrirmos um dicionário e procurarmos saber o significado da palavra vontade, encontraremos esta definição: “Faculdade de praticar ou não, livremente, algum ato”. Aceitaremos esta definição como verdadeira, irrepreensível. Mas não pode haver maior engano, pois esta vontade que reivindicamos com tanta altivez, cede sempre o passo à imaginação. É uma regra absoluta que não padece excepção alguma.

“Blasfémia! Paradoxo!” – bradarão. De forma alguma. “Verdade, pura verdade”, lhes responderei.

E, para se convencerem, abram os olhos, olhem em torno de si e saibam compreender aquilo que vêem. Hão de ver, então, que o que lhes digo não é uma teoria aérea, produzida por um cérebro doente, mas a simples expressão daquilo que realmente é.

Suponhamos que há no solo um tábua de 10 metros de comprimento por 25 centímetros de largura. Está claro que todo mundo é capaz de ir de
uma ponta a outra dessa tábua, sem pôr o pé fora dela. Mudemos porém, as condições da experiência e façamos de conta que essa tábua está colocada à altura das torres de uma catedral. Quem terá, então a coragem de avançar um metro apenas, nessa estreita passagem ? São os senhores que me lêem ? Não, sem dúvida. Antes de derem dois passos, começarão a tremer e, apesar de todos os esforços de vontade, fatalmente cairão ao solo. 

Observem que os senhores têm boa-vontade de avançar; se imaginam que o não podem, ficam na impossibilidade absoluta  de fazê-lo. 

Se os pedreiros, os carpinteiros são capazes de executar esse ato, é porque eles imaginam que o podem fazer.

A vertigem só é causada pela imagem que se nos afigura de que vamos cair; essa imagem se transforma imediatamente em ato, apesar de todos os nossos esforços de vontade, tanto mais depressa quanto mais violentos são esse esforços.

Consideremos uma pessoa atacada de insónia. Se ela não faz esforços para dormir, ficará sossegada no leito. Se, ao contrário, quer dormir, quanto mais se esforça mais agitada fica.

Não sei se observaram que, quanto mais a gente procura se lembrar do nome de uma pessoa, que se julga ter esquecido, mais ele foge à lembrança, até o momento em que, mudando-se no espírito a ideia de “não me lembro” pela de “já me lembro”, o nome nos vem naturalmente sem o menor esforço.

Aqueles que andam de bicicleta se recordam de que, quando aprendiam a andar nessa máquina, iam pela estrada, segurando-se no guidão, na persuasão de que iriam cair. De repente, enxergando no meio do caminho um cavalo ou, mesmo simplesmente uma pedra, procuravam evitar o obstáculo; porém, quanto mais esforços faziam, mais iam em direcção a ele.

A quem não aconteceu dar uma gargalhada, uma risada que estalava tanto mais impetuosamente  quanto maiores eram os esforços que faziam para a conter ?

Qual era o estado de espírito de cada um, nestas várias circunstâncias ? Eu não quero cair, mas não posso impedi-lo; quero dormir, mas não posso; quero lembrar o nome da senhora Tal, mas não posso; quero evitar o obstáculo, mas não posso; quero conter a minha risada, mas não posso.

Como se vê, em cada um desses conflitos é sempre a imaginação que sobrepuja a vontade, sem excepção alguma.

Seguindo a mesma ordem de ideias, não vemos um comandante que se precipita para diante, à frente das suas tropas, e os seus subordinados acompanhá-lo, ao passo que o grito: “salve-se quem puder” determina, quase fatalmente, uma derrota ? Por que ? Por isto que, no primeiro caso, os homens se persuadem de que devem marchar para a frente, e, no segundo, supõem que estão vencidos e que é preciso fugir para escapar à morte.

Panurge não ignorava o contágio do exemplo, isto é, a acção da imaginação, quando, para vingar-se de um negociante com quem viajava, comprava o seu maior carneiro e o atirava ao mar, convencido, de antemão, de que a carneirada toda o acompanharia, o que, aliás, aconteceu.

Nós, homens, parecemo-nos mais ou menos com os dessa raça lanígera e, a contragosto, seguimos irresistivelmente o exemplo alheio pensando que não podemos fazer de outro modo.

Poderia citar outros mil exemplos, mas receio que uma enumeração dessa ordem se torne enfadonha. Entretanto, não posso deixar em silêncio um fato que põe em evidência o poder enorme da imaginação, ou por outra, do inconsciente na sua luta contra a vontade.

Há ébrios que bem quereriam não mais beber, mas não podem abster-se da bebida alcoólica. Indaguem deles, e responderão, com toda a sinceridade, que desejariam ser abstémios, que lhes aborrece a bebida, mas que são irresistivelmente impelidos a beber, apesar de sua vontade, apesar de saberem o mal que isso lhes faz...

Assim, também, certos criminosos cometem crimes, contra a vontade, e quando se pergunta por que agiram dessa maneira, respondem:
“Não pude conter-me, aquilo me dava ímpetos, era mais forte do que eu”.

O ébrio e o criminoso dizem a verdade; eles são forçados a fazer o que fazem, pela simples razão de cuidarem que não se podem conter.

Destarte, nós que somos orgulhosos da nossa vontade, que acreditamos fazer, livremente, aquilo que fazemos, não passamos, na realidade de pobres bonecos, dos quais a nossa imaginação empunha todos os fios. Não deixaremos de ser esses bonecos, enquanto não a soubermos dirigir.


Sugestão e auto-sugestão 



De acordo com o que precede, pudemos comparar a imaginação a uma correnteza que arrasta, fatalmente, o desgraçado que se deixa apanhar por ela, malgrado sua vontade de alcançar a margem. Esta correnteza parece invencível; todavia a pessoa sabendo fazê-lo, a desviará do seu curso, conduzi-la-á a uma usina e aí transformará a sua força em movimento, em calor, em electricidade.

Se esta comparação não lhes parece suficiente, comparemos a imaginação a um cavalo selvagem que não tem cabresto, nem rédea. Que pode fazer o cavaleiro que o monta, senão deixar-se levar aonde o cavalo o quiser conduzir ? E, se o cavalo se enfurece, como muitas vezes sucede, é num fosso que vai terminar a corrida. Se o cavaleiro põe a rédea nesse cavalo, os papéis mudam. Não é mais ele que vai aonde o cavalo quer, e sim o cavalo que segue o caminho que o cavaleiro deseja.

Agora, que já explicamos a força enorme do ser inconsciente ou imaginativo, vou lhes mostrar que este ser, considerado como indomável, pode ser tão facilmente domado quanto uma correnteza ou um cavalo selvagem. 

Mas, antes de prosseguir , é necessário definir, cuidadosamente, duas       palavras frequentemente          empregadas     sem      que      sejam   bem compreendidas. São as palavras sugestão e auto-sugestão.

O que é, então, a sugestão ? Pode-se  defini-la: “a acção de impor uma ideia ao cérebro de outra pessoa”. Esta acção existe, realmente ? Propriamente falando, não. A sugestão, com efeito, por si mesma, não existe, ela não existe e não pode existir senão sob a condição sine qua non de se transformar, no indivíduo, em auto-sugestão. E esta palavra assim se define: “implantação de uma ideia em si mesmo por si mesmo”. Podem sugerir alguma coisa a alguém; se o inconsciente deste não aceitou esta sugestão, se ele não a digeriu, por assim dizer, a fim de transformá-la, em auto-sugestão, ela não produz nenhum efeito.

Acontece-me, algumas vezes, sugerir qualquer coisa mais ou menos banal a pessoas ordinariamente muito obedientes, e minha sugestão falhar. A razão disto é que o inconsciente dessas pessoas se recusaram a aceitar a minha sugestão e não a transformaram em auto-sugestão.


Emprego da auto-sugestão


Volto ao ponto onde dizia que podemos domar e dirigir a nossa imaginação, como se doma uma correnteza ou um cavalo bravo. Para tal, basta saber, primeiramente, que isso é possível (o que quase todo mundo ignora), e, em seguida, conhecer o meio. Pois bem, esse meio é muito simples; é aquele que sem o querermos , sem o sabermos, de maneira absolutamente inconsciente de nossa parte, empregamos todos os dias desde que viemos ao mundo, mas que, infelizmente para nós, empregamos quase sempre mal, para nosso maior dano. Este meio é a auto-sugestão.

Enquanto, habitualmente, a gente se auto-sugestiona inconscientemente, seria bastante auto-sugestionar-se conscientemente, cujo processo consiste nisto: “primeiro meditar convenientemente sobre as coisas que devem ser o objecto da auto-sugestão e, conforme esta responda sim ou não, repetir muitas vezes, sem pensar noutra coisa: “Isto acontece ou isto não acontece; isto vai ser ou isto não vai ser etc., etc., e, se o inconsciente aceita esta sugestão, se ele se auto-sugestiona, veremos nisso as coisas se realizarem ponto por ponto.

Assim entendida, a auto-sugestão não é outra coisa senão o hipnotismo tal como o compreendo e o defino por estas simples palavras:
influência sobre o ser moral e o ser físico do homem.

Ora, esta acção é inegável e, sem voltar aos exemplos precedentes, citarei ainda alguns outros.

Se alguém se persuadir de que pode fazer alguma coisa qualquer, contanto que ela seja possível, esse alguém a fará ainda que seja difícil fazê-la. Se, ao contrário, as pessoas crêem que não podem fazer a coisa mais simples do mundo, torna-se para elas impossível fazê-la, e, nesta ordem, os montinhos de areia que as toupeiras erguem são, para essas pessoas, como intransponíveis montanhas.

Tal é o caso dos neurasténicos que, acreditando-se incapazes do menor esforço, frequentemente se encontram na impossibilidade de dar alguns passos apenas, logo se sentindo extremamente cansados. E estes menos neurasténicos, quando se esforçam para sair de sua tristeza, mais e mais nela se entranham, à semelhança do desgraçado que se atola e se afunda 


no pântano, tanto mais depressa quanto maiores são os esforços que faz para se salvar.

Do mesmo modo, basta pensar que uma dor vai passar, para sentir que realmente esta dor desaparece, pouco a pouco, e, inversamente, é bastante pensar que se sofre para que imediatamente se sinta chegar o sofrimento.

Conheço certas pessoas que prognosticam que, determinado dia, vão sentir dor de cabeça, predizendo em que circunstâncias, e, de fato, no dia assinalado, circunstâncias anunciadas, sentem essa dor de cabeça. Essas pessoas mesmas causam o seu mal, assim como outras se curam a si próprias pela auto-sugestão consciente.

Sei que, geralmente, a gente passa por louco, diante de pessoas, quando se ousa emitir ideias que não estão habituadas a ouvir. Pois bem, arriscando-me  a passar por louco, dir-lhes-ei que, se certas pessoas são,  moral e fisicamente, doentes, é porque imaginam estar doentes, seja moralmente, seja fisicamente; se algumas pessoas são paralíticas, sem terem lesão alguma, é que imaginam estar paralíticas, e é entre estas pessoas que se dão as curas mais extraordinárias.

Se alguns são felizes ou infelizes, é porque imaginam ser felizes ou infelizes, porquanto entre duas pessoas colocadas exactamente nas mesmas condições, uma pode se julgar perfeitamente feliz e a outra absolutamente infeliz.

A neurastenia, a gagueira, as fobias, a cleptomania, certas paralisias etc., não são outra coisa senão o resultado da acção do inconsciente sobre o ser físico ou moral.

Mas, se o nosso inconsciente é a fonte de muitos de nossos males, também pode trazer a cura das nossas doenças morais e físicas. Ele pode, não somente reparar o mal que nos fez, como também curar as doenças reais, tão grande é a sua acção sobre o nosso organismo.

Isole-se uma pessoa em um quarto, sente-se numa poltrona, feche os olhos para evitar distracção e pense unicamente durante alguns instantes: “Tal coisa está para desaparecer”, “tal coisa vai acontecer”.

Se, foi, realmente, feita a auto-sugestão, isto é, se seu inconsciente aceitou a sua ideia, com grande admiração sua verá realizar-se aquilo em que havia pensado. (Note-se que as ideias auto-sugestionadas têm a propriedade

de existir em nós sem o sabermos, de cuja existência só podemos ter conhecimento pelos efeitos que essas ideias produzem). Mas, sobretudo, e esta recomendação é essencial, a vontade não deve intervir na prática da auto-sugestão; porque, se ela não está de acordo com a imaginação, se a gente pensa: “quero que tal coisa aconteça”, e a imaginação diz: “tu queres, mas isso não sucederá”, não somente não se consegue o que se quer, mas ainda se obtém exactamente o contrário.

Esta observação é capital, e explica por que os resultados são tão pouco satisfatórios quando, no tratamento das  afecções morais, se fazem esforços para reeducar a vontade. É a imaginação que é preciso educar, pois, graças à delicada divergência entre esta e aquela, o meu método teve sucesso onde outros, e não poucos, fracassaram.

Das numerosas experiências que faço, diariamente, desde  vinte anos, observadas por mim, com atencioso cuidado, pude tirar as condições que se seguem e que resumi em forma de lei:

1.º - Quando a vontade  e a imaginação estão em luta, é sempre a imaginação a vencedora, sem excepção alguma;  2.º - No conflito entre a vontade e a imaginação, a força da imaginação está na razão directa do quadrado da vontade; 3.º - Quando a vontade e a imaginação estão de acordo, uma não se ajusta à outra, mas uma se multiplica pela outra;




4.º - A imaginação pode ser governada.

(As expressões “na razão directa do quadrado da vontade” e “se multiplicam” não são rigorosamente exactas. São simplesmente imagens destinadas a fazer compreender o meu pensamento.)

Consoante o que acabo de dizer, parece que ninguém deveria jamais ter adoecido. Isto é verdade. Toda doença, quase sem excepção, pode ceder à auto-sugestão, por mais ousada e inverossímil que possa parecer a minha afirmação. Não digo, cede sempre, digo pode ceder, o que é diferente.

Mas para fazer com que as pessoas pratiquem a auto-sugestão consciente, é preciso ensinar-lhes como fazê-lo, do mesmo modo que se faz para lhes ensinar a ler ou escrever, ou para que elas aprendam música etc.

A auto-sugestão é, como disse mais atrás, um instrumento que trazemos connosco ao nascer e com o qual brincamos inconscientemente toda a nossa vida, como um menino brinca com seu maracá. Mas é um

 instrumento perigoso; pode ferir, matar mesmo, se o manejarem imprudentemente, inconscientemente. Ao contrário, salva quando o souberem empregar de maneira consciente. Pode-se dizer dele o que da língua dizia Esopo: “É a melhor e, ao mesmo tempo, a pior coisa do mundo”.


Vou explicar-lhes, agora, como se pode fazer para que todo mundo experimente a acção  benfazeja da auto-sugestão, aplicada de um modo consciente.


Dizendo “todo mundo”, exagero um pouco, porque há duas classes de pessoas nas quais é difícil provocar a auto-sugestão consciente:

1.º - Os atrasados, incapazes de compreender o se lhes diz;

2.º - As pessoas que não querem aprender.
  

Como    ensinar ao paciente a autosugestionar-se


O princípio deste método se resume, pouco mais ou menos, nestas palavras: Só se pode pensar em uma coisa de cada vez, isto é, duas ideias podem se justapor, mas não se podem sobrepor em nosso espírito.

Todo pensamento que preocupa inteiramente o nosso espirito, torna-se verdadeiro para nós e possui uma tendência para transformar-se em ato.

Portanto, se conseguirmos fazer crer a um doente que vai acabar seu sofrimento, este de fato desaparecerá; a um cleptómano que não furtará mais, ele não mais furtará, etc. 

Modo de fazer a sugestão consciente


Diz-se ao paciente: “Sente-se e feche os olhos. Não quero tentar fazê-lo dormir. É inútil. Peço que feche os olhos , simplesmente para que a sua atenção não seja desviada para os objectos que lhe dão na vista. Agora, diga 

bem direito, que todas as palavras que vou pronunciar vão fixar-se no seu cérebro, imprimir-se, gravar-se, incrustar-se nele; que é preciso que elas fiquem sempre fixadas, impressas, incrustadas e que, sem o senhor querer e sem o saber, de uma maneira completamente inconsciente de sua parte, o seu organismo e o senhor mesmo deverão obedecer-lhes. Digo-lhe, em primeiro lugar, que diariamente, três vezes por dia, de manhã, ao meio dia e à noite, à hora das refeições, o senhor terá fome, isto é, sentirá esta sensação agradável que faz pensar e dizer:  “Oh! Vou comer com prazer!” Com efeito, comerá com prazer, sem, entretanto, comer demais. Comerá moderadamente e o suficiente para deixá-lo no peso ideal. Terá, porém, cuidado de mastigar demoradamente os seus alimentos, para os transformar em uma pasta bem mole, antes de engolir. Nestas condições, fará bem a digestão, e não sentirá nem no estômago, nem nos intestinos, nenhum sofrimento, nenhum incómodo e dor nenhuma, qualquer que seja a sua natureza. A assimilação se fará bem e o seu organismo aproveitará todos os seus alimentos, para produzir sangue, músculo, força, energia, numa palavra: VIDA.

“Visto que a digestão vai ser bem feita, a função da excreção darse-á normalmente.


 “Ademais, todas as noites, a partir do momento em  que quiser dormir, até ao momento em que desejar levantar-se, na manhã seguinte, dormirá um sono profundo, calmo, tranquilo, durante o qual não terá pesadelos, e quando acordar, sentir-se-á  com saúde, todo alegre e bem disposto.


“De outro lado, se lhe acontece, por vezes, estar triste, pensativo, ter aborrecimentos, ter pensamentos tétricos, de agora em diante não acontecerá mais. Em vez de ficar triste, melancólico, em vez de ter angústias, aborrecimentos, ideias tristes, vai ter alegria, muita alegria, sem motivo algum, talvez, mas ter-la-á, como lhe poderia acontecer ter tristezas sem motivos. Direi mais: mesmo que tenha motivos verdadeiros, motivos reais para se aborrecer e ter tristezas, não se aborrecerá, nem terá tristezas.


“Se lhe acontece, às vezes, ter gestos de impaciência, ou de raiva, estes gestos não os terá mais. Ao contrário, há de ser sempre  paciente, sempre senhor de si mesmo, e as coisas que o aborreciam, provocavam, irritavam, doravante o deixarão absolutamente indiferente e calmo, muito calmo. Se algumas vezes é assaltado,  perseguido, dominado por ideias más, que lhe são prejudiciais, e por temores, medos, fobias, tentações, rancores, sei que tudo isso se afasta, pouco a pouco  dos olhos da sua imaginação, e parece desfazer-se, perder-se numa nuvem longínqua. Como um sonho que desaparece ao acordar, assim se irão todas as imagens vãs.


“Digo-lhe mais que todos os seus órgãos funcionam bem: o coração bate normalmente e a circulação do sangue se faz como deve ser; os pulmões funcionam bem; o estômago,  os intestinos, o fígado, a vesícula biliar, os rins, a bexiga, nada têm de anormal. Se, dentre eles, algum presentemente funciona com anormalidade, esta anomalia desaparecerá aos poucos, cada dia, de sorte que, brevemente, desaparecerá por completo, voltando esse órgão a funcionar normalmente.   
  
“Além disso, se existe alguma lesão num deles, irá cicatrizando dia a dia, sarando com rapidez.” (A propósito, devo dizer que não é preciso saber qual o órgão afectado, para curá-lo. Sob a influência da autosugestão: “todos os dias, sob todos os pontos de vista, vou cada vez melhor”, o Inconsciente exerce a sua acção sobre esse órgão, que ele mesmo não sabe distinguir). 

“Acrescento ainda isto, que é uma coisa extremamente importante: se até o presente se sentiu com uma certa desconfiança em si, digo-lhe que esta desconfiança desaparece aos poucos para, ao contrário, se transformar em confiança em si mesmo, fundada nesta força de um poder incalculável que existe em cada um de nós. Esta confiança é absolutamente indispensável ao ser humano. Sem a confiança em si mesmo, jamais se obtém coisa alguma, ao passo que com ela, pode-se conseguir  tudo. (No domínio das coisas razoáveis, bem entendido). Tenha, pois, confiança em si mesmo, que se convencerá de que é capaz de fazer não somente bem, mas ainda com perfeição, todas as coisas que deseja fazer, sob a condição de que sejam razoáveis e também tudo aquilo que seja de seu dever

“Portanto, quando desejar fazer alguma coisa razoável, quando tiver de fazer uma coisa que é de seu dever fazer, pense bem que esta coisa é fácil de fazer. As palavras difícil, impossível, não posso, está acima das minhas forças, não posso evitar,  devem ser canceladas do seu vocabulário. Elas não 

existem em nossa língua. Existem, sim, as palavras: é fácil e eu posso.  Considerando a coisa fácil de fazer, ela se torna fácil, ao passo que para outros parece difícil. O senhor a faz depressa e bem, sem se cansar, porque a faz sem esforço. Se, porém, a considerasse difícil ou impossível de fazer, ela o seria unicamente porque assim a considerou” 

“Por fim, sei que tanto no ponto de vista moral como no físico, o senhor goza de boa saúde, melhor do que a que até hoje pôde gozar. Agora vou contar até “três”, e quando eu disser “três” , o senhor abrirá os olhos, saindo do estado em que se encontra, bem tranquilamente, sem entorpecimentos, sem fadigas de espécie alguma, mas, ao contrário, sentindo-se forte, alerta, disposto, com vigor, cheio de vida. Além disso, sentir-se-á alegre, bem alegre e bem de saúde em todos os pontos de vista. Um, dois, três”. 
  

Como se deve praticar a auto-sugestão consciente


Todas as manhãs, ao acordar, e todas as noites, logo ao deitar, fechar os olhos e, sem fixar a atenção ao que se diz, proferir em voz bastante alta, a fim de ouvir as próprias palavras , esta frase, repetindo-a vinte vezes, tendo para isso um cordão com vinte nós: “Todos os dias, sob todos os pontos de vista, vou cada vez melhor”. Como as palavras “ sob todos os pontos de vista” abrange tudo, é inútil fazer auto-sugestão para determinados casos.

Esta auto-sugestão deve ser feita da maneira mais simples, mais infantil, mais maquinal possível, portanto, sem o menor esforço. Numa palavra, a fórmula deve ser repetida no tom em que se rezam as ladainhas.

Destarte, consegue-se introduzi-la mecanicamente no inconsciente, pelo ouvido e, logo que nele penetra, ela age. A pessoa deve seguir esse método durante toda vida, porquanto é não só curativo como também preventivo.

Ademais, cada vez que, durante o dia ou durante a noite, se tem um sofrimento físico ou moral, a gente deve apegar-se  imediatamente a si mesma, no propósito de não contribuir conscientemente para esse mal, e para fazê-lo desaparecer. A pessoa deve-se isolar o máximo possível, fechar os olhos e, passando a mão pela fronte ou pelo local dolorido, conforme se trate de uma dor moral ou física, repetir rapidamente estas palavras: “isto passa, isto passa etc., etc.”, durante o tempo que for preciso. Com um pouco de hábito, consegue-se fazer desaparecer a dor moral ou física, no espaço de 20 a 25 segundos. Deve-se repetir isso a cada vez que for necessário. 

Portanto, é fácil desempenhar o papel de sugestionador. Não será um mestre que ordena, mas um amigo, um guia que conduz, passo a passo, o enfermo no caminho da cura. Como todas essas sugestões se dão no interesse do doente o inconsciente deste as procura assimilar e transformálas em auto-sugestões. Quando se dá a auto-sugestão, a cura se realiza  com mais ou menos rapidez.

A prática da auto-sugestão não dispensa o tratamento médico, mas é um precioso auxiliar para o doente e para o médico.


Superioridade do método



Este método dá, absolutamente, maravilhosos resultados. Efectivamente, procedendo-se como aconselho, não se falhará nunca, a não ser com as espécies de pessoas que falei atrás e que, felizmente, representam apenas 3% do povo.

Se, ao contrário, se experimenta agir da primeira vez sobre o paciente, sem explicações, poder-se-á obter resultado, mas somente sobre pessoas extremamente sensíveis. Estas, porém, existem em pequeno número.

Outrora, parecendo-me que a sugestão não podia agir bem , senão durante o sono, procurava sempre fazer dormir o meu paciente; mas, tendo constatado que isto era dispensável deixei de fazê-lo para poupar ao paciente o temor que sente, quase sempre, quando lhe dizemos que o vamos fazer dormir, temor este que, muitas vezes, sem que ele o queira, faz resistir ao sono. Se, ao contrário, lhe dissermos que não queremos fazêlo adormecer, porque isso é absolutamente inútil, ganhamo-lhe a confiança e ele houve o que lhe dizemos, sem receio algum, sem nenhuma segunda intenção, acontecendo, frequentemente, quando não à primeira vez, pelo monótono da voz, ficar cheio de admiração por ter adormecido.

Se entre os senhores há incrédulos, e sei que os há, dir-lhes-ei, simplesmente, que venham ter comigo para verem e se convencerem, à vista dos fatos.

Não pensem, entretanto, que seja necessário agir da maneira que acabo de expor, para empregar  a sugestão e determinar a auto-sugestão. Pode-se fazer a sugestão em pessoas sem elas o saberem, e sem preparação alguma. Se um médico, por exemplo, que, pela sua autoridade profissional, já tem força sugestiva sobre o doente, lhe diz que nada pode fazer por ele, porque a sua moléstia é incurável, provoca no espirito do paciente uma auto-sugestão que lhe poderá ter consequências bem funestas. Se, ao contrário, lhe diz que a doença é realmente grave, mas que com tratamento, tempo e paciência virá a cura, algumas ou muitas vezes mesmo, poderá conseguir resultados que lhe causarão admiração.

Outro exemplo: se um médico, depois de haver examinado o doente, passa-lhe uma receita e lhe entrega sem explicação alguma, os remédios prescritos têm pouca probabilidade de produzir efeito. Mas, se explica ao doente se este ou aquele remédio deve ser tomado em tais e tais condições e que produzirão tais e tais efeitos, quase sempre se verificam os resultados preditos.
Se, entre os que me lêem, há médicos ou colegas farmacêuticos, peço que não me julguem seu inimigo, pois, ao contrário, sou seu melhor amigo. De uma parte, desejaria ver no programa das Escolas de Medicina, o estudo teórico e prático da sugestão, para maior benefício dos doentes e dos próprios médicos; de outra parte, espero que, cada vez que um doente vá procurar um médico, este lhe receite um ou mais remédios, mesmo que não sejam necessários. Com efeito, o doente, quando procura o médico, quer que ele lhe indique o remédio que o porá bom. Ignora, as mais das vezes, que é a higiene e o regime que atuam e a isto liga pouca importância. O que lhe é necessário é um remédio.

Parece-me, portanto, que o médico deve sempre receitar remédios ao seu enfermo e, quando possível, evitar as receitas de remédios especializados, dos quais se fazem grandes reclamos, e que, na maior parte, só valem pelo efeito da propaganda. Mas, deve receitar remédios formulados por ele mesmo, porque inspiram muito mais confiança ao doente do que certas pílulas ou certos pós facilmente encontrados em todas as farmácias e que dispensam receita.

Acção da sugestão



Para bem se compreender o papel da sugestão ou, por outra, da auto-sugestão, basta saber que o inconsciente é o “dirigente mor de todas as nossas funções”. Façamo-lhe crer, como anteriormente disse, que tal órgão que não funciona bem, deve funcionar bem. Instantaneamente o inconsciente lhe ordena e o órgão, obedecendo submissamente, inicia a recuperação de sua função normal, imediatamente.

Isto nos dá o direito de explicar, de uma maneira simples e clara como, pela sugestão, pode-se suster as hemorragias, debelar a prisão de ventre, extinguir os fibromas, curar as paralisias, as lesões tuberculosas, as feridas varicosas etc.

Tomo, como exemplo, um caso de hemorragia dentária, que pude observar no gabinete do Sr. Gauthé, dentista, de Troyes. Uma mocinha, a quem ajudei a curar-se de uma  asma que lhe durou oito anos, me disse um dia que queria extrair um dente. Sabendo-a muito sensível, ofereci-me para mandar arrancar o dente, sem dor. Naturalmente, ela aceitou com prazer, e marcamos a hora com o dentista.

No dia combinado, fomos ao seu gabinete. Colocando-me em frente à moça, disse-lhe: “A senhorita não sente nada, a senhorita não sente nada etc. ...”. E, enquanto continuava a minha sugestão, fiz sinal ao dentista. Um momento depois, o dente estava arrancado sem que a senhorita D... tivesse sentido qualquer dor. Como frequentemente acontece, sobreveio uma hemorragia. Ao invés de aplicar um hemostático qualquer, disse ao dentista que iria experimentar a sugestão, sem saber de antemão o que resultaria. Então, pedi à senhorita D... que me olhasse e sugeri-lhe que, dentro de dois minutos, a hemorragia cederia, por si mesma; e ficamos aguardando o resultado. A jovem expeliu ainda alguns escarros sanguíneos e mais nada. Disse-lhe que abrisse a boca, olhamos e constatamos que o sangue coagulara na cavidade dentária.

Como explicar este fenómeno? Muito simplesmente: sob a influência da ideia “a hemorragia deve parar”, o inconsciente transmitiu, às pequenas artérias e pequenas veias, ordem para não deixar escapar sangue, e elas, com brandura, se foram contraindo naturalmente, como o fariam artificialmente, ao contacto de um hemostático, como por exemplo a adrenalina.

É raciocinando do mesmo modo, que nos é dado compreender como pode desaparecer um fibroma. O inconsciente, aceitando a ideia “ o fibroma  
deve desaparecer”, o cérebro ordena às artérias que o nutrem, que se contraiam; elas se contraem, recusam o seu auxílio, não alimentam mais o fibroma e este, privado daquele alimento, morre, seca, reabsorve-se e desaparece. 

Emprego da auto-sugestão na cura das afecções morais e das taras inatas ou

adquiridas



A neurastenia, tão comum nos nossos dias, geralmente cede à sugestão praticada, frequentemente, do modo como exponho. Tive a felicidade de contribuir para a cura de numerosos neurasténicos, para os quais falharam todos os tratamentos. Um deles até passara um mês num estabelecimento especial de Luxemburgo, sem conseguir melhorar. Em seis semanas, ficou completamente bom e sente-se, agora, o homem mais feliz do mundo, após ter se considerado o mais desgraçado. E nunca mais recairá na sua moléstia, porque lhe ensinei a aplicar, a si próprio a autosugestão consciente, e ele a sabe fazer maravilhosamente.

Mas, se a auto-sugestão é útil no tratamento das afecções morais e físicas, quantos serviços ainda maiores não podem prestar à sociedade, transformando em pessoas honestas as infelizes crianças que povoam as casas de correcção e que de lá saem para entrar na vastidão do crime?

Não me digam que isto é impossível. É possível e posso fornecelhes a prova.

O que digo


Já expliquei a minha teoria da auto-sugestão consciente e também a aplicação do meu método. Com certeza, as minhas explicações foram claras, porquanto muitas pessoas, somente com a leitura dessa brochura, conseguiram curar-se de moléstias, muitas vezes graves, de que não puderam melhorar fazendo outro qualquer tratamento.

Entretanto, para me fazer melhor compreender, resolvi apresentar minhas ideias de outra forma, ainda mais clara. Foi por isso que reuni, nesta Parte, tudo o que disse no curso das minhas conferências, dando as razões que me levaram a aconselhar a prática da auto-sugestão, da maneira como indico.

Ademais, as considerações que faço sobre o inconsciente permitem a fácil compreensão do mecanismo pelo qual ele atinge os seus fins.


Os homens foram sempre, em todos os tempos, amantes das coisas misteriosas e sobrenaturais. Quando assistem a um fato, com o qual não estão familiarizados, e não o compreendem, atribuem-no logo a uma causa sobrenatural, até o momento em que descobrem a lei que o determinou. Houve, e ainda  há, desde os tempos mais remotos, pessoas que curavam, ou antes, pseudo-médicos que, por meio de gestos e imposições das mãos, com palavras e cerimónias mais ou menos impressionantes, muitas vezes conseguiam curas instantâneas, causando aos assistentes uma espécie de admiração entusiástica ou temerosa, porque tais fatos, para certas pessoas, eram obras do Espírito maligno.

Na Grécia antiga, enfermos costurados dentro duma pele de animal recém-morto, passavam a noite nos degraus do templo de Atenéia e, muitas vezes amanheciam curados.

Com a imposição das mãos, apenas, os reis de França faziam desaparecer as escrófulas. A celha de Mesmer extinguia os males daqueles que seguravam uma das correntes nela mergulhada; e o zuavo Jacó obtinha resultados inegáveis, com a suposta projecção do seu fluido. Actualmente, as associações Christian Science e Novo Pensamento têm conseguido resultados idênticos, pelos processos magnéticos, pelo hipnotismo etc.

Essas curas, para a maioria das pessoas, são cheias de mistérios, e derivam de uma força particular da qual são dotados aqueles que as operam, quando as devemos atribuir a uma força inteiramente natural, obedecendo a leis, de que mais adiante trataremos.

Não quero que me tomem, como muita vezes acontece, por uma pessoa que cura doentes, um operador de milagres, que tem à sua disposição todas as forças ocultas e tudo pode, mesmo e principalmente o impossível.


 Para vos dar apenas uma ideia do juízo que de mim fazem certas pessoas, citar-vos-ei alguns pedidos, que me são feitos com muita frequência.

Certa ocasião, escreveu-me uma senhora, dizendo: “Senhor, meu marido não pode mais suportar-me. Poderia o senhor conseguir torná-lo mais paciente ?” Outra me escreveu o seguinte: “Senhor, meu filho arranjou uma amizade má. Poderia o senhor descobrir um meio de desfazêla ?” Uma terceira dirigiu-me uma carta, nestes termos imperativos:
“Senhor , estou doente, curai-me! (sem assinatura)”.

Outra, ainda, comunica-me haver uma sua vizinha rogado praga sobre a sua casa, e me pede para conjurar essa maldição. Enfim, diz-me a última: “Meu senhorio quer aumentar o aluguel. Poderia o senhor impedilo ?”

Pois bem, se, dentre vós, alguns me querem dar a honra de considerar-me capaz de realizar coisas tais como essas que me foram solicitadas, rogo-vos que abandonem tal suposição, por ser inteiramente falsa. Não somente não curo, nem faço milagres, como também não sou feiticeiro, nem tenho o poder especial de que me supõem dotado.

Sou, apenas, um homem, se o quiserem um homem capaz, mas um homem como os outros homens, cuja função não é de curar, mas, simplesmente, a de ensinar às pessoas o que elas podem fazer, a fim de se ajudarem a si próprias, a fim de elas mesmas, conseguirem suas melhorias e se curarem por si mesmas, se a cura for possível.

Lavo as mãos, quanto aos resultados que possam obter. O benefício do sucesso, assim como a responsabilidade do insucesso, fica a cargo dessas pessoas, porquanto um e outro dependem, exclusivamente, delas. Devo ser comparado ao professor que ensina aos seus alunos as matérias necessárias para se submeterem ao exame, que lhes permitirão obter o grau de bacharel, mas que não poderá fazer por eles esse exame.

Por dois motivos deveis acreditar no que vos digo: O primeiro é que vos falo a verdade; o segundo é que o vosso interesse exige que me acrediteis.

Suponhamos, um instante, que eu tenha o dom de curar. Embora duvidando, admito que por estardes em minha presença, eu tenha uma certa influência sobre vós. Mas, por outro lado, deveis admitir que, quando me tiverdes deixado, quando vos achardes na rua, ou de volta a Londres, a Nova 
 Iorque, a Chicago, não poderei ter mais essa influência. Se adoecerdes, então, sentir-vos-eis perdidos.

De minha parte, diminuo a vossa personalidade, deixo crer que dependeis de mim e não de vós mesmos.

Se, ao contrário, vos demonstro que o poder que me atribuis não está em mim, mas em vós, e vos ensino como aproveitá-lo, tereis a possibilidade de utilizá-lo e de conseguir, vós mesmos, a melhoria ou a cura, em qualquer parte do mundo, onde vos encontrardes.

Nesse caso, aumento a vossa personalidade, visto que vos ensino a depender de vós mesmos, e não de uma outra pessoa.

Contudo, não me acreditais ainda.


A maioria de vós responder-me-á. “É inútil insistir. É graças à vossa influência que nós nos curamos”. Como acontece, então, que me venham, às mãos, quase todos os dias, cartas de pessoas, que nunca vi, agradecendo-me por se terem curado somente em observar os conselhos que dou. Melhor será saber o que elas dizem:


Primeira carta: — Tive a grande felicidade de receber a vossa carta de 13 de maio, e as brochuras que a acompanharam, as quais achei muito interessantes.

Há cerca de quarenta anos, um médico aconselhou-me a mandarme operar as varizes da perna ou, pelo menos, usar meias elásticas. Desde há seis meses, entretanto, que ponho em prática o vosso método, e noto que elas já desapareceram. Considerando-se os meus setenta anos de idade, esse resultado não é mau.

É verdade que, quando comecei a pôr em prática os vossos conselhos, não contava com esse efeito. Ademais, sinto-me capaz de jogar as minhas duas partidas de golfe, diariamente.

W. J. ..., Sydney (Austrália)
             

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